A quarentena mexeu com a nossa percepção de tempo. A forma de cada um encarar o distanciamento acaba definindo se os dias estão “passando rápido demais” ou se eles estão “se arrastado bem devagar”. Para lidar com essa sensação, existem opções como a de mergulhar no trabalho ou nos estudos, maratonar séries de TV, meditar, jogar… Jogar?
Videogames clássicos, jogos online e de tabuleiros estão ajudando muita gente a suportar essa passagem esquisita do tempo e a criar proximidade (sem furar o isolamento social) com familiares, filhos e amigos. Além disso, com o fechamento das escolas, os jogos ganharam ainda mais relevância como instrumento educacional e de sociabilização. “Jogos são fundamentais em vários sentidos. Se você pensar nas crianças, por exemplo, o aprendizado delas está ligado à interação com os outros. Neste momento de pandemia, os jogos trazem o lúdico para dentro de casa e ajudam na relação das crianças com pais, irmãos e outros familiares”, disse a orientadora educacional da Educação Infantil do Colégio Presbiteriano Mackenzie, Juliana Mele Castilhas.
“Várias habilidades podem ser desenvolvidas com os jogos. As crianças podem aprender a esperar, a memorizar, a criar foco, a lidar com vitórias e derrotas e a entenderem a importância de seguir regras”, completou Juliana – que recomenda jogos de mímica, de memória ou o clássico Stop.
Apesar da diversão proporcionada por uma brincadeira de mímica, não vai demorar para o uso do videogame se transformar em uma questão familiar. Antes da quarentena, o usual era um controle maior das horas jogadas e algum receio sobre a influência dos games sobre crianças. Agora, ao menos nesse período, parece existir uma tendência de enxergá-lo como algo positivo. “O videogame tem sido um aliado. Meu filho fica de 2 a 3 horas envolvido com atividades online da escola. Depois, o videogame funciona como um recreio. Com ele, Téo se mantém conectado com outros alunos, com seus amigos”, disse Renato Oliveira, 38 anos, pai de Téo (8 anos) e Camila (5 anos).
Claro, é inocente (e desatualizado) pensar em videogames como algo exclusivo para crianças. No último ano da Faculdade de Direito da PUC de Campinas, Lucas Fleck, 22 anos, foi o campeão do primeiro torneio de E-Sports On-Line OAB/CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo, órgão da Ordem dos Advogados do Brasil). Ele venceu a categoria FIFA 20 (em console PS4). “Eu tenho jogado mais na pandemia. Com o videogame, além dos campeonatos, conheci pessoas online que se transformaram em amigos. Os jogos trazem alívio, ajudam a passar o tempo e quebram a solidão do isolamento”, contou Fleck.
Segundo Sandro Manfredini, presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames), apesar da pandemia, o setor continua crescendo cerca de 10% ao ano. “Estamos observando um crescimento na audiência e no número de pessoas jogando. Acredito que elas estejam tendo, no geral, mais tempo para o entretenimento”, explica.
O diretor do Campeonato Brasileiro de Counter Strike (CBCS), Pedro Sancha, afirma que o aumento de jogadores de videogame na pandemia pode ter um reflexo, inclusive, no mercado profissional. “Com mais praticantes, a peneira para o profissionalismo deve ser maior. Hoje, as crianças têm uma relação com os jogos eletrônicos que não têm com outros esportes – nem com o futebol”, disse.
Além dos videogames, os jogos de tabuleiro estão sendo descobertos ou redescobertos por muita gente. Assim como os outros tipos de jogos, eles também estão inseridos na experiência de vivenciar essa quarentena. “São uma ferramenta para que o tempo seja gasto com qualidade. É uma atividade que trás um retorno de convivência, de empatia entre as pessoas – com a vantagem de agregar a família e amigos”, disse o especialista em jogos de tabuleiro Nuno Filipe Venâncio.
Nuno chama a atenção para os jogos modernos. “Nos anos 80, Banco Imobiliário, War, Joga da Vida tinham uma dinâmica diferente. Hoje, os jogos modernos não trabalham com eliminação ou aquela coisa de um ser contra o outro. Agora, são todos juntos contra o próprio jogo para vencer um desafio”, comentou André Dembitzky, proprietário da Academia dos Jogos. Entre os mais modernos, e de dinâmica mais inclusiva, citados por Nuno e Dembitzky estão os ainda pouco conhecidos entre os leigos, como Catan, Ticket to Ride e Carcassonne.
O casal formado pelos professores Danilo Meguro Matsuda, 29 anos, e Giovanna Saggiomo, de 28, tem se dedicado aos jogos de tabuleiro ao menos duas vezes por semana – com jogos que podem levar de 4 a 8 horas. “É um tempo gasto com qualidade, um tempo que a gente está junto. Tem a parte da diversão, da colaboração, de pensar estratégias”, contou Matsuda. “Recentemente, ensinei minha mãe a jogar. Ela está curtindo muito, se interessando e pensando em outras coisas que não estão relacionadas ao coronavírus”, completou.